quinta-feira

Os palavrões por Millor Fernandes

PALAVRÕES
Millor Fernandes
Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.

'Pra caralho', por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que 'pra caralho'? 'Pra caralho' tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende?

No gênero do 'Pra caralho', mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso 'Nem fudendo'. O 'Nem fudendo' é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro para ir surfar no litoral? Não perca tempo, nem paciência. Solte logo um definitivo 'Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM FUDENDO!.' O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicínio.

Por sua vez, o 'porra nenhuma!' atendeu tão plenamente as situações onde nosso Ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo> escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a bravata daquele chefe idiota senão com um 'é PhD porra nenhuma!', ou 'ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!'. O 'porra nenhuma', como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um 'Puta-que-pariu!',ou seu correlato 'Puta-que-o-pariu!'. Falados assim, cadencialmente, sílaba por sílaba, diante de uma notícia irritante, qualquer 'puta-que-o-pariu!' te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o tempo devido e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso 'vai tomar no Cu!'? E sua maravilhosa e reforçadora derivação 'vai tomar no olho do seu Cu!' Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: 'Chega! Vai tomar no olho do seu Cu!'. Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoe a camisa e saia à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: 'Fudeu!' (os puristas dizem 'fodeu'). E sua derivação mais avassaladora ainda: 'Fudeu de vez!'. Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e autodefesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar : O que você fala? 'Fudeu de vez!'.

Sem contar que o nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de 'foda-se!' que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do 'foda-se!' O 'foda-se' aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor, reorganiza as coisas. Me liberta. 'Não quer sair comigo? Então foda-se!'. 'Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!'. O direito ao 'foda-se!' deveria estar assegurado na constituição Federal.

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